terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A Lenda do Cavalo Branco

A Lenda do Cavalo Branco
Escrita por Giovanni Barbosa


Letícia acordou cedo naquela manhã chuvosa, com o pensamento de que seria só mais um dia tedioso. Levantou da cama e olhou pela janela. Entre as gotas de água que pingavam incessantemente, ela via, de certo modo, seu cavalo no estábulo de sua fazenda.

A cor branca do cavalo era extremamente clara, parecia brilhar. Não é um modo de falar, o cavalo aparentava realmente estar brilhando! Uma coroa de luz, como a que é vista durante um eclipse solar, emanava das bordas de seu corpo. Letícia achou que devia estar sonhando, ou então com muito sono, mas não parou de fitar seu cavalo do lado de fora. Além do brilho, ele transmitia um sentimento de calma, de felicidade... Em meio àquela deprimente chuva, um cavalo branco fazia uma garota em depressão sorrir. Faz algum sentido?


Bem, expliquemos pois, a situação de Letícia. Há duas semanas, ela ainda morava na cidade, tinha uma vida normal, uma mãe alegre, um namorado, cachorro, amigos... As tragédias tomaram início na terça-feira. Logo de manhã, recebeu um SMS de seu namorado, abriu muito alegre esperando alguma mensagem de amor ou algo do tipo. Ele estava terminando com ela. Isso a decepcionou muito, a única que a apoiava era sua mãe. Ela morava com sua mãe e seus avós maternos, que não gostavam de Letícia. Diziam que ela era a impura, a filha do pobre, do sem-cultura. Durante a tarde, sua mãe levava seus avós para a casa de uma irmã, numa cidade próxima. Na estrada, enquanto tentava ultrapassar, o carro chocou-se fortemente com outro carro, e depois capotou pela serra. Feliz ou infelizmente, apenas sua avó sobrevivera. Isso era bom, pois ela estava viva. E era ruim, pois era a única viva. Letícia tentou cometer suicídio, mas foi impedida por seu ex-namorado, que assim que soube da morte foi a casa dela, a confortar. Ela foi obrigada a morar com seu pai, no interior do estado, numa fazendinha em um lugar que não existe no mapa.

Isso já é uma outra história, que será contada outro dia, por outra pessoa em uma outra ocasião. Voltando ao cavalo...

Ela saiu do quarto, preguiçosa, caminhou até a cozinha, onde seu pai estava de pé, preparando o café matinal.

– O que vai querer, filha? – perguntou o homem barbudo, vestido sob um avental de cozinheira.

– Nada, estou sem fome... – respondeu a filha, sem olhar para o pai. – Posso andar naquele cavalo branco?

– Hm... Se você souber conduzir...

– Eu aprendo.

– Tudo bem então.

Sem mais conversa, ela correu para perto do cavalo, na chuva mesmo. Aproximando-se mais, ela notou nitidamente o que era aquele cavalo magnífico. Ele tinha uma aura arco-íris, pêlo brilhante e... Um chifre? Era isso! Aquilo era um unicórnio!

Letícia montou no unicórnio, e cavalgou para fora da fazenda, sem rumo algum. Aos poucos, o sono a abatia, e ela caia sobre o pescoço do cavalo.

Ela adormeceu, e pela primeira vez nas últimas duas semanas, não teve pesadelos. Pelo contrário, teve ótimos sonhos. Sonhou com sua família unida, com sua infância, com suas amigas. Sonhou então, que estava em seu próprio mundo, um lugar imenso, totalmente branco, exceto pelos arco-íris, almofadas e bichinhos de pelúcia coloridos que se espalhavam por todo o local. Sua família apareceu.... Mãe, avô, tias que ela nem sabia que tinha e dois primos que haviam morrido antes de ela nascer. Era estranho, só faltava sua avó, que devia estar internada neste momento.

De repente, a cena mudou. Agora ela estava de volta à fazenda, no mesmo caminho que estivera antes de adormecer. Ela virou-se e voltou para a fazenda, ela estava se sentindo diferente. Não estava mais montada no cavalo, era bem diferente. A visão tornara-se totalmente diferente, as cores estavam trocadas... Depois de alguns minutos Letícia compreendeu: ela era o cavalo. Caminhou, ou melhor, cavalgou até a fazenda, desesperada.

“Pai! Pai!” – ela urrava em sua mente, mas o corpo eqüino nada fazia, além de relinchar. Ela aproximou-se o máximo possível da casa, já que um cavalo tinha um corpo gigante comparado a um humano comum. Os ouvidos extremamente aguçados captaram a voz do pai a distância.

– Como assim? Olha, minha filha desapareceu, e... Meu Deus! Como vou contar isso para ela? Ok, pode deixar, eu vou dar um jeito... Obrigado por me informar.

Letícia nada compreendia, apenas sabia que algo de errado tinha acontecido. Ela tentava fazer manobras com seu corpo, mas nada adiantava com o corpo unicorniano. Seus olhos varriam todo o espaço, à angustiada procura de um jeito de voltar ao normal. Por um instante, achou que tivesse conseguido se tornar humana, mas depois notou que era o peso de um ser humano nas suas costas.

“Pobres cavalos...” – pensou a menina.

Misteriosamente, sua avó (que ela pensava estar internada) apareceu em sua frente, ao mesmo tempo em que o peso nas costas diminuiu. Ela sorria, não maliciosamente, mas sim de felicidade.

O pai de Letícia apareceu fora da casa, angustiado. Correu em todos os lugares na fazenda gritando por seu nome, e ela tentava responder, mas apenas relinchava, e mesmo assim parecia que seu pai não a escutava.

O pobre pai olhou para a porta de madeira da fazenda aberta, e correu para a trilha. Letícia o seguiu. Alguns passos aqui, olhares acolá, e então o grito. A garota nunca vira seu pai agir daquele modo. Ele parecia gritar e chorar ao mesmo tempo. Ela cavalgou um pouco mais, e viu o motivo do desespero do pai: Seu corpo estava no chão, pálido, sem emoção nem reação, morto.

Então tudo se encaixou... Os familiares mortos, o telefonema do pai, a vista de toda a sua vida...

Pois é. Letícia aprendeu a lição, aprenda você também: quando tragédias acontecerem, mantenha distância de cavalos brancos!


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